História, Memória e Cultura Negra em São Paulo
Autoria: Danielle Franco da Rocha, Edimilsom Peres Castilho, Eribelto Peres Castilho.
“A cidade de São Paulo constitui um imenso acervo histórico, social, cultural, arquitetônico e artístico brasileiro. Seu extenso e multiverso território, ponteado de memórias e importantes significados socioculturais, está marcado pelo passado, não obstante todas as tentativas de apagá-lo. Trata-se de uma cidade que, apesar de reconstruída copiosas vezes à medida que sua estrutura de produção se alterava, traz entalhada em sua paisagem urbana e sociocultural não apenas a história visível e ostensiva da classe dominante — representada pelos monumentos erguidos em homenagem à opressão, pelos nomes da maioria de suas ruas, suas avenidas e seus bairros ou pelo patrimônio histórico material enaltecido e preservado — mas sobretudo a história invisível da classe subalterna — representada por seu modo de vida, seus costumes, manifestações culturais e religiosas e pelo intenso processo de luta, resistência e rebelião diante da opressão. Mesmo se empenhando para apagar e silenciar as marcas históricas e as memórias das classes populares dos espaços urbanos de São Paulo, as tentativas das classes dominantes sempre redundaram em fracasso. O opressor pode soterrar ou remodelar espaços, canalizar rios, suprimir ou alterar nomes de ruas, praças ou bairros, mas o território guarda uma história, uma memória coletiva que não pode ser ocultada nem apagada.” (O visível que oculta e o invisível que revela: tensões e disputas na construção da história de um território. Memoricidade – Revista do Museu da Cidade de São Paulo, nº 1, 2020)
Em um passado não muito distante, a Vila Colonial e a São Paulo Imperial também teve um Quilombo Urbano e muitos personagens da Cultura Negra compondo o cotidiano das ruas e largos, como as Quituteiras e Quitandeiras com seus famosos tabuleiros de doces e salgados; as Amas Negras e Amas de Leite que criavam as crianças abandonadas; as Lavadeiras, carregadores de água, mucamas, muleques e mulecões que abarrotavam os córregos, bicas, fontes e chafarizes que abasteciam a cidade; os Vendedores de Ervas, Fumo, Aguardente e comércio miúdo; as Rodas de Capoeiras, Tiriricas e Cordões Carnavalescos; e até mesmo construtores e um reconhecido Arquiteto negro que ergueu várias torres e fachadas de importantes igrejas de São Paulo.
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No passado de São Paulo, também teve um Pelourinho e uma Forca nos territórios da Sé e Liberdade, onde eram realizados os castigos corporais previstos no “Código Criminal do Império” de 1830 e na famigerada “Lei da Morte” de 1835, transformando a região central da cidade num território de muitas Lutas e Resistência da Cultura Negra em São Paulo.
O “patíbulo” da Forca, anteriormente erguido nas margens do Rio Tamanduateí, foi transferido no século 18 para o alto de uma colina “ao sul da Sé” que ficou conhecida como Morro da Forca. Nos anos de 1850 o Largo da Forca foi renomeado para Praça da Liberdade e recentemente novamente alterado para Praça Liberdade-Japão.
No antigo Largo da Forca, a presença da Igreja Santa Cruz das Almas dos enfocados e sua “Capela das Velas” anexa preservam essa triste memória dos enforcamentos ocorridos no adro desta igreja nos séculos 18 e 19.
Ao lado do Largo da Forca, contornando a Rua da Glória que era o prolongamento do antigo Caminho do Mar, foi aberto em fins dos anos de 1700 o primeiro cemitério público da vila colonial para o enterro de escravizados enforcados, pobres, indigentes e crianças “abandonadas”.
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O antigo Cemitério dos Aflitos funcionou até 1886 quando foi inaugurado o novo Cemitério da Consolidação e seu terreno foi loteado posteriormente, restando apenas a pequena Igreja Nossa Senhora dos Aflitos pertencente ao antigo cemitério e hoje local de muita fé e devoção à Chaguinhas, mártir negro executado na Forca em 1821 e eternizado no samba Rua da Glória do cantor e compositor Aloysio Letra.
Também na Rua da Glória, a construção do primeiro hospital da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo abrigou a Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados para receber crianças “abandonadas” na cidade imperial e que depois eram encaminhadas às Amas Negras ou Amas de Leite para criação.
Ao final da Rua da Glória que era a principal entrada da vila colonial chegava-se ao Largo do Pelourinho onde eram açoitados negros escravizados até fins do século 19. Em 1916, o largo foi remodelado e renomeado para Largo Sete de Setembro, apagando os vestígios da triste história da escravidão negra em São Paulo.
Ao lado do Pelourinho, por muito anos a importante Igreja dos Remédio abrigou a sede Movimento Abolicionista Popular dos Caifases até ser demolida na década de 1940 para construção do Fórum João Mendes Junior.
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Também ao sul da Sé, na igreja da Irmandade de N. S. da Conceição e São Gonçalo Garcia está enterrado o famoso Arquiteto Tebas, negro escravizado que conquistou sua alforria e realizou obras fundamentais da São Paulo colonial. Em frente a essa igreja, o grandioso Campos de São Gonçalo foi palco das primeiras as Tiriricas e Rodas de Batuque do Samba em São Paulo.
Com a construção da Casa de Câmara e Cadeia no século 18, os Campos de São Gonçalo foi renomeado para Largo Municipal, até que em fins do século 19 foi cercado para evitar as manifestações populares e recebeu o nome de Praça Dr. João Mendes em 1898.
Inúmeras praças e largos ao redor da Igreja da Sé abrigavam chafarizes de abastecimento de água onde se amontoavam lavadeiras, quituteiras, mercadores, sendo o chafariz do Largo da Misericórdia construído por Tebas um dos mais importantes da vila colonial até ser demolido junto à igreja da Irmandade da Santa Casa em 1888.
Outro chafariz que concentrava a população negra situava-se no Largo de São Francisco, antigo Largo do Capim onde onde se cultivavam hortas e pomares que abasteciam o Convento da Igreja das Chagas do Seráphico Pai São Francisco.
Abaixo do Convento de São Francisco, em direção ao Vale do Rio Saracura, o Largo do Piques também foi um espaço de muitas Lutas e Resistência da Cultura Negra em São Paulo por sediar uma “feira de comercialização” de escravizados negros. Localizado nas mediações do atual Terminal e Praça da Bandeira, o Largo do Piques também possuía um importante chafariz para o abastecimento de tropeiros e lavadeiras, tornando-se o local escolhido para erguer o primeiro monumento de São Paulo inaugurado em 1814 – o Obelisco do Piques “à memória do zelo do bem público”.
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