Novos usos para o Patrimônio Industrial da cidade de São Paulo

Autoria: Danielle Franco da Rocha, Edimilsom Peres Castilho, Eribelto Peres Castilho.

A crescente industrialização apresentada pela cidade de São Paulo na virada do século 19 para o 20 exigiu um número maior de trabalhadores que, advindos de diversas partes do Brasil e do mundo com a instalação das ferrovias a partir de 1867, modificaram a paisagem predominantemente rural dos arrabaldes da cidade de São Paulo com a construção de complexos fabris, chaminés, armazéns, oficinas, depósitos, linhas de transmissão de energia, moradia operária e toda infraestrutura necessária à nascente industrialização.

Nas palavras de Aroldo Azevedo, nos subúrbios paulistanos “predominam os grandes estabelecimentos industriais, as portentosas ossaturas de cimento e aço, muitas vezes coroadas por altas chaminés fumegantes.”

Arquivo Estado SP

Instalados nas baixadas e vales do relevo paulistano, próximas aos rios que forneciam água para a produção fabril e as planícies fluviais que acomodavam melhor o percurso retilíneo do eixo ferroviário, os complexos fabris ocuparam extensas áreas conformando novos bairros operários que preservam ainda hoje um valioso Patrimônio Industrial ainda pouco explorado.

Atlas Ambiental de SP

Muito provavelmente o setor ferroviário foi o primeiro a compor o Patrimônio Industrial de São Paulo. O Memorial da Resistência de São Paulo, dedicado à preservação das memórias e resistência à Ditadura Militar (1964-1985), funciona desde 2009 em um prédio histórico que abrigou os escritórios e armazéns da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana entre 1914 e 1938. Após reformas, sediou o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops) entre 1940 e 1983. Em 1999 foi foi tombado como Patrimônio Cultural.

Museu Cidade SP

A Estação da Luz, depois da grande reforma de 1904 que modificou as características da primeira estação inaugurada em1865 em único bloco ladeando a Ferrovia São Paulo Railway, foi ampliada na década de 1940 após um grande incêndio em 1946. No terceiro andar da ampliação onde funcionou a administração da ferrovia passou a abrigar desde 2006 o Museu da Língua Portuguesa – Estação da Luz. Em dezembro de 2015 um novo incêndio destruiu o museu e parte da cobertura da Estação da Luz, mas o prédio foi restaurado respeitando todas as caraterísticas de sua Arquitetura “Vitoriana” de origem inglesa e em julho de 2021 o museu foi reaberto.

Museu Cidade SP

Biblioteca Nacional RJ

Segundo definição da Carta Patrimonial de Nizhny Tagil de 2003, o Patrimônio Industrial “compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectónico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram actividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação.

Nesse último caso destacamos o imponente Palácio das Indústrias projetado pelo escritório Ramos de Azevedo entre os anos 1911 e 1924 como um grande espaço para Exposições e Feiras Industriais e Agrícolas do Estado de SP.

Biblioteca Mário de Andrade

Museu Cidade SP

Na década de 1930 foi sede da Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo e posteriormente abrigou a Assembleia Legislativa. Em 1982 foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e em 1991 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (CONPRESP).

Em 1992 tornou-se a sede da Prefeitura de São Paulo após ser restaurado pelo escritório da renomada Arquiteta Lina Bo Bardi. Com a transferência da prefeitura para o Edifício Matarazzo na Vale do Anhangabaú, passou a abrigar desde 2009 o Museu de Ciência Catavento Cultural e Educacional.

Inúmeras fábricas desse período tornaram-se grandes complexos industriais e permanecem marcando a paisagem urbana no trajeto ferroviário. Outras foram completamente demolias para ceder seus grandes terrenos aos novos empreendimento imobiliários, restando como memória solitárias chaminés não mais fumegantes, como é o caso da Casa das Caldeiras que resistiu à destruição do antigo complexo das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo após ser tombado pelo CONDEPHAAT em 1986 e CONPRESP em 2011. Mas ainda existem diversos complexo fabris subutilizados que permanecem resistindo às constantes investidas da especulação imobiliária enquanto se aguarda a utilização mais adequada que preserve suas características originais.

CONDEPHAAT

Matarazzo 10 Anos

Ipatrimônio

A Casa das Retortas no Brás foi construído em 1870 pela companhia inglesa San Paulo Gás Company Ltd. na várzea do Rio Tamanduateí, estrategicamente nas proximidades das futuras Estradas de Ferro São Paulo Railway e Central do Brasil para abastecer sua usina de produção de gás, nomeando inclusive a importante Rua do Gasômetro que contorna o complexo fabril.

Museu Cidade SP

Arquivo Histórico Municipal

Em 1912 a São Paulo Light and Power Co. assumiu o complexo e o controle acionário de produção do gás da cidade até 1968, quando a companhia foi municipalizada originando a atual Comgás.

CONDEPHAAT

Tombada pelo CONDEPHAAT em 2010 e pelo CONPRESP em 2012, a Casa das Retortas sofre ajustes e adequações para instalação do futuro Museu da História do Estado de São Paulo no Parque Dom Pedro II.

Museu Cidade SP

Outro exemplo de Patrimônio Industrial que aguarda a utilização mais adequada que preserve suas características originais é a grandiosa Companhia Antarctica Paulista fundada em 1885 para produção de gelo e posteriormente de cervejas e refrigerantes.

O local escolhido para sediar a companhia foi um grande terreno no trajeto ferroviária na bairro operário da Villa Pompéia. Parte do Terreno era ocupado pelo Parque Antarctica, um agradável espaço de lazer e esporte para usufruto dos seus funcionários, como indica o destaque da cartografia histórica. Em 1919 o local foi comprado pelo Clube Palestra Itália, atual Sociedade Esportiva Palmeiras.

Arquivo Estado SP

Museu Paulista USP

Assim como diversas indústrias que priorizaram a instalação no trajeto ferroviário, a Companhia Antarctica Paulista ergueu sua nova fábrica acompanhando a Estrada de Ferro São Paulo Railway, como indica o destaque dessa cartografia histórica. Confira também nesse vídeo.

Arquivo Estado SP

Museu Cidade SP

Além do complexo industrial, a companhia empreendeu diversos equipamento urbanos que transpuseram os muros da fábrica e contribuíram grandemente para processo de urbanização de São Paulo, incluído um cassino localizado no Vale do Anhangabaú antes da grande remodelação urbana de 1940.

Museu Cidade SP

Aos poucos o transporte automotivo foi substituindo a ferrovia até então responsável pelo abastecimento de matéria prima e escoamento da produção industrial. Em dezembro de 1918, a Avenida Bavaria assim denominada desde a compra da Cervejaria Bavária pela Companhia Antarctica Paulista sofreu reformas para atender a crescente demanda e foi renomeada como Av. Presidente Wilson.

Quase 100 anos após a construção desse importante patrimônio industrial da cidade de São Paulo, no ano de 2016 o CONPRESP aprovou o tombamento das edificações situadas no perímetro da antiga Fábrica Antartica no bairro da Mooca por meio da Resolução nº 19/2016, prevendo a preservação da arquitetura e elementos externos, incluindo coberturas, envasaduras, estruturas metálicas internas e externas, preservação integral da chaminé e os letreiros.

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